quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Noção de Deus na Sociedade Contemporânea

Mediante a exigência de uma verdade eterna, a crítica kierkegaardiana ao cristianismo dinamarquês influenciado pelo espírito idealista, é muito oportuna para a vivência cristã da sociedade contemporânea. Essa sociedade vive conturbada com suas incertezas religiosas. As pessoas não se entendem ao falar de Deus; o cristianismo tornou-se a religião da contradição, distanciado da existência real como é entendido por Kierkegaard.
Tornou-se num paradoxo religioso, porque o cristão tende a ver sua relação com Deus de maneira contraditória; onde ambos foram trocados de lugares. O indivíduo “religioso” ocupou o lugar de Deus, e Este está obrigado a atender as necessidades do indivíduo. O Senhor passou a ser uma abstração mágica do homem, subjugado a todo instante. Os líderes religiosos, devido as suas péssimas formações filosóficas e teológicas, tornaram-se magníficos sofistas da fé. Especializaram-se na arte da oratória com pregações apocalípticas e miraculosas, a fim de, construir nos fiéis um cristianismo marcado pelo medo como o meio mais fácil de dominação de seus rebanhos.
A religião cristã chegou a seu pior estado existencial. Qualquer pessoa que tenha um pouco de coerência percebe que a cristandade de hoje está longe dos cristãos do Novo Testamento, não só pelo período histórico, mas, sobretudo, pela vivência de sua fé nos dias de atuais.
Não se prega mais o paradoxo da fé. Os discípulos do cristianismo de hoje, não são contemporâneos de Cristo, mas assemelham-se aos seus inimigos, pois usurpam a religião anunciada pelos verdadeiros apóstolos, que são aqueles que seguem o homem-Deus segundo os textos bíblicos. Deus foi relativizado, sendo utilizado para obter proveitos próprios pelos pregadores, como para fundamentar as verdades dogmáticas das Igrejas. Passou, Deus, a ter uma finalidade imediata e uma utilidade prática. A finalidade é garantir o bem-estar dos cristãos. Sua utilidade está no que convém às necessidades dos crentes para justificar suas ações cômicas.
Infelizmente, ser pertencente ao cristianismo hoje, chega a ser bizarro; nada mais cômico do que essa afirmação, que em nada acrescenta na vida do indivíduo. Estamos diante de um legado fantasioso, mentiroso; tudo isso é uma ilusão, porque, os homens que se dizem religiosos, na sua maioria, não passam de aproveitadores do Paradoxo, pois fazem Dele um meio de se auto-promoverem como homens santos, mas que no fundo não passam de homens estetas, porque são bem quistos pela sociedade, ou de homens éticos, porque fazem do cristianismo um sistema moralista determinista da existência humana. Em virtude dessa mudança de paradigmas, como apontou Kierkegaard, a própria existência foi transformada numa quimera, onde as pessoas não se percebem como protagonistas de suas vidas reais.
Os pregadores são culpados, visto que, seus sermões não passam de discurso políticos a fim de favorecer um determinado grupo partidário da própria Igreja ou estatal. A palavra do Novo Testamento tem servido apenas de justificação para as corrupções dos pastores-vendedores , com o intuito de favorecer seu bem-estar, sendo deixada de ser anunciada como um projeto de felicidade eterna. Faz-se necessário que o sujeito consciente de si atente sobre si mesmo para permanecer cristão no sentido mais profundo como compreendeu Kierkegaard, e não como pregam esses pastores-vendedores.

Afinal, todos nós fomos batizados e instruídos no Cristianismo, não se pode falar então de expandir o Cristianismo, e por outro lado, longe de nós julgarmos de alguém, que se diz cristão, que ele não o seja; não se trata portanto de confessar o Cristo em opção aos não-cristãos. Em compensação, é útil e necessário que o indivíduo cuidadosamente e consciente de si atente sobre si mesmo e se possível ajude os outros (tanto quanto um homem pode ajudar o outro, pois Deus é quem verdadeiramente ajuda) a permanecer cristão num sentido sempre mais profundo (KIERKEGAARD, 2005a: 67).

O absurdo do cristianismo apontado pelo autor dinamarquês consiste no fato de que o culto religioso transformou-se num ato social. O pregador assumiu a função de um pastor-funcionário , onde seu discurso é alternado conforme a classe de sujeitos que se encontram nos atos religiosos, com essa atitude, esses pastores-funcionários escandalizam o escândalo paradoxal da cruz.
Transformaram o homem crístico num conformado com o mundo atual; alienado em si mesmo, incapaz de ter uma verdade subjetiva que o mova a infinitude da fé. É preciso “cristianizar a cristandade”, pois ser cristão é uma aberração tanto nos tempos desse pensador como nos dias atuais!
Dando continuidade ao raciocínio sobre o conceito de Deus, sobre o Paradoxo Absoluto, conclui-se que o conceito de Paradoxo é a significativa diferença absoluta que há entre Deus e o homem. Este é um ser individual, dado na realidade do existir, portanto, finito em si, mas eterno enquanto relação com o atemporal que toca o tempo do existir de um existente real, pois, segundo Kierkegaard, “Deus, ao contrário, é o infinito que é eterno”. Desse modo, só podemos compreender uma coisa do Paradoxo, isto é, que Ele não pode ser compreendido totalmente, senão, vivido na interioridade da existência. Todavia, “explicar o paradoxo significaria assim compreender mais profundamente o que é um paradoxo e que o paradoxo é o paradoxo” (REICHMANN, 1971: 248).
Por isso o Paradoxo é a contradição, sempre presente no limite infinito. Quando Deus toca o tempo no instante infinito surge a presença do Absoluto possível. A Deus tudo é possível, basta ao homem do desespero crer no eterno para que a qualquer instante Deus possa efetivar o possível. O possível pertence a Deus; existe Nele porque Ele não tem nenhum dever absoluto senão o de amar. Este plenamente eterno e atemporal, mas ao mesmo tempo dado no finito temporal.
Esse Desconhecido que toca o limite do conhecido acontece no instante infinito. Significa ver o instante pela perspectiva atemporal, ou seja, num dado momento ele se apresenta no tempo para logo em seguida se ocultar e voltar a se deixar conhecer. É da essência de Deus mostrar-se nessa dupla realidade, e isso não representa um jogo onde Deus brinque com o homem, se tal coisa fosse verdade, o Paradoxo seria um sistema puramente lógico e abstrato.
Quando tudo isso se efetua e o homem percebe essa dialética paradoxal, é o momento da contemplação, onde a subjetividade descobre que carece do possível; seu desespero necessita de um critério.

Eis o critério: a Deus tudo é possível. Verdade de sempre, e, portanto de qualquer instante. É um estribilho quotidiano, e que todos usam sem pensar no que significa, mas a expressão só é decisiva para o homem que esgotou todas as possibilidades, e quando nenhum outro possível humano subsiste. O essencial para ele é então saber se quer crer que a Deus tudo seja possível, se tem a verdade de acreditar nisso. Mas não será a fórmula mais própria para perder a razão? Perdê-la para ganhar Deus, é o próprio ato de crer (KIERKEGAARD, 1989: 44-45).

Nada mais angustiante do que o possível, essa possibilidade entre o sim e o não. Esse jogo dos contrários, onde o indivíduo fica sem uma decisão final, mas jogado nesse limite do talvez possa ou não possa efetua-se sua liberdade, onde a única escolha é optar pelo “a Deus tudo é possível”. Essa liberdade é afinal uma necessidade, sobretudo, quando nenhum outro possível humano subsiste, e aí, deve-se optar pelo Absoluto. A necessidade é sempre movida pela incerteza do possível, é acreditar no que ainda não temos certeza. Crer no Paradoxo é tornar-se absurdo para o entendimento humano. Ao acontecer tal coisa, surge o reconhecimento da finitude da paixão paradoxal da inteligência e com isso ela volta a tornar-se infinita, pois sabe que precisa construir muitos caminhos até chegar ao Paradoxo apontado pelo cristianismo.