terça-feira, 1 de junho de 2010

Breve Reflexão


          Analisando algumas obras do corpus kierkegaardiano, concluímos que não existe um sistema fechado de filosofia, muito menos quando se trata da constituição do homem, porém, ficamos com a noção de que é possível ao homem ter uma maior compreensão de si.
Suscita-nos ao mesmo tempo, uma admiração e uma preocupação. “Admiramo-nos” porque descobrimos nossa condição humana e apreendemo-nos como sujeitos de nossa própria vida, com a finalidade de torná-la cada vez melhor e bela. “Preocupamo-nos” ao notarmos tal condição humana como indeterminada, onde os acontecimentos podem nos levar a uma angústia eterna.
            Na concepção de Kierkegaard só nos despimos de fato quando estamos diante de Deus, porque Ele nos possibilita a nossa aceitação como seres desesperados. Estar diante de Deus significa que temos a consciência de nossas misérias e de nossas grandezas, e assim, é-nos possível superar paulatinamente as angústias existenciais. Quando nos deparamos com a realidade notamos que o homem enquanto homem é sempre habitado por várias relações íntima-infinitas.       
Lendo este pensador descobrimos a nossa própria existência. Ele nos convida a um mergulho desesperador em nossa condição finita. Ao deciframos cada palavra pensada e escrita pelo ele, reavaliamos nossa possibilidade de seres inerentes ao desespero, despertamos de um sonho racional, que nos ludibriou e pelo qual nos constituímos por décadas a nos aceitamos como seres iluminados pela razão. Esse Iluminismo impedia o homem de desnudar-se diante de si mesmo.
Não se olhava mais a vivência das pessoas. Era o tempo do cientificismo mecanicista. Era a técnica por si mesma. O otimismo intelectual reinava ligeiramente nos centros culturais do período de Kierkegaard. Ele propõe Temor e Tremor diante da vida. Era preciso enfrentá-la mesmo correndo riscos; assumir responsabilidades, superar o imediato e se afirmar frente ao abstrato.
É com essa proposta que esse dinamarquês escreve seus pensamentos. Pois nele encontramos questões íntimas que dizem respeito à existência humana. E de fato, a nossa sociedade contemporânea vive em semelhança à sociedade que Kierkegaard criticava, pois estamos cada vez mais marcados por uma cultua movida pela estética, onde o consumo de inúmeros produtos de cosméticos é abusivo, como também, a busca por cirurgias plásticas seguem o mesmo ritmo. Existe ainda a busca incansável pela conquista de inserir-se na chamada alta-sociedade. Onde as pessoas comentem abusos excessivos, tanto nos trajes como nos bem materiais, para serem considerados membros dessa classe social. É preciso usar uma marca de grife famosa para se dizer quem é o indivíduo.
Ao mesmo tempo, vemos com clarividência uma sociedade marcada pelo moralismo. Contudo, trata-se de uma falsa-moralidade que rege a nossa sociedade. Guiada por contradições praticadas pelos elaboradores dessa mesma moral. Ela serve apenas para oprimir aqueles menos capacitados ao conhecimento de seus direitos civis. Mas é ressaltada ao extremo quando é pretendida por algum meio de comunicação importante ou por alguns personagens de renome no cenário nacional. É uma moralidade presa em si mesma. Sufocada pelos próprios idealizadores.
Se vivêssemos apenas em função dela, com certeza, teríamos uma vida marcada por desesperos finitos. Estaríamos na penumbra infindável do determinismo. Mas é da natureza do homem romper as ideias pré-estabelecidas. Pois ele não é apenas um vazio que acumula opiniões exteriores. A todo tempo, o indivíduo busca construir seu próprio caminho; vai superando as imposições convencionais, e com isso, transcende a própria realidade desesperadora.
Não obstante, encontramo-nos inseridos num contexto onde é cada vez maior a descrença em relação a Deus e ao cristianismo. Mas a problemática disso é lançada pelos próprios cristãos, que fizeram de sua fé uma aberração. Eles não se entendem. Cada qual criou um modo individualista-egoísta de compreender a mensagem cristã. O deus que eles apresentam é desvinculado da realidade. Suas atitudes não imensuráveis, pois nas igrejas são santos e no convívio social são inescrupulosos. Kierkegaard tinha toda razão quando dizia que o cristianismo dos primeiros discípulos não é mais encontrado hoje nas igrejas estatais. É preciso cristianizar a cristandade. É preciso fazer uma Reforma em oposição ao modo como vivem os que se dizem evangelizadores por vocação profética.
Vemos, portanto, que as problemáticas existenciais apontadas por Kierkegaard permanecem em pleno século XXI. Para melhor entendermos nossa condição humana, é conveniente fazermos uma releitura atual de Kierkegaard, pois, com certeza, encontraremos elementos importantes que nos ajudarão a compreender mais a fundo a nossa realidade hodierna.
Com isso nos resta uma busca incansável pelo descobrimento da nossa existência. Nesse autor não vemos apenas um início de um sistema, mas sim uma história de vida contada em diários acadêmicos, que desperta no homem um desejo aprofundar-se em seu existir enquanto condição humana, delimitada pelo finito, mas enriquecida pela infinitude do Absoluto possível.