quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Esteta, o Ético e o Religioso


Quando pensamos nas existências estética e ética, o sofrimento, com efeito, não é algo necessário, de modo que, o desespero não passa de uma transição para um outro momento da vida, podendo muito bem viver sem vivê-lo. Para o homem religioso, o desespero não é uma exceção, mas fator decisivo para tal estágio, pois ai revelar-se-á a sua interioridade, sua subjetividade de forma concreta, caso contrário, Abraão não teria se tornado um cavaleiro da fé. Quando o homem reconhece seu sofrimento, isto é, que a existência comporta desafios, depara-se com o incógnito que há em sim mesmo, por isso “quanto mais sofrimento mais vida religiosa e o sofrimento permanece” [1] (REICHMANN, 1971, p. 55).

O prazer que o esteta tanto buscou como fundamento de sua existência não confere nada mais do que o gozo em si mesmo, a escassez de uma verdade eterna, em semelhante postura nos deparamos com o ético, este essencialmente se relaciona com o dever para com o geral. Ambos sofrem a “transubstanciação” causada pela angústia compreendida pelo Cavaleiro da fé. Se agíssemos pelas esferas da razão estética e moral poderíamos chegar ao pressuposto de que, “não é a verdade que governa o mundo, mas as ilusões” [2].

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Um Cristianismo estéti e ético


Kierkegaard critica veemente esse cristianismo estético e ético. Ele acredita que tais cristãos não se comportam como deveria agir o verdadeiro homem crístico, por isso, não obedecem ao verdadeiro Deus. Partindo dessa crítica aos cristãos de aparência, Soren procura trazer à tona seu entendimento sobre Deus e de como Ele deve ser crido dentro dessa mesma religião.
 No pensamento desse dinamarquês vamos encontrar vários conceitos para se falar de Deus. Os mais trabalhados pelo autor serão os nomes Absoluto e Paradoxo. Ambos são amplamente discutidos por Kierkegaard em Temor e Tremor e em Migalhas Filosóficas. Tendo esses temas como pano de fundo, para começarmos este capítulo faremos memória de uma prece kierkegaardiana, a qual revela a esperança frente ao desespero; o pensamento que sai da abstração para a concreção da vida em Deus, de modo que, as dores da vida sejam evanescidas pela esperança no Paradoxo.

Pai celeste! A ti se volta nosso pensamento. És tu quem ele procura de novo nesta hora, não com o passo incerto do peregrino extraviado, mas com o vôo seguro da ave que conhece bem o seu ninho. Não permitas, ó Deus que nossa confiança em ti se esvaeça como idéia fugaz, como o recurso de um momento ou as assegurações falazes deste coração carnal. Faze que em nós a nostalgia do teu reino e nossas esperanças de teu esplendor não sejam dores infecundas, nem sejam como nuvens sem chuva. Mas, como orvalho que dessedenta, atendidas, banhem nossos lábios, e, como o teu maná celeste, saciem-nos para sempre (KIERKEGAARD, 1990: 25).

Na obra Migalhas Filosóficas, sobre o pseudônimo de João Clímacus, Kierkegaard introduz a noção de Deus como sendo um Paradoxo e um Absurdo. Ele afirma que a busca para conhecer o Paradoxo, isto é, Deus deixa a existência numa contradição marcada pela paixão paradoxal da inteligência; contradição causada quando a paixão se depara com esse Desconhecido, que de fato existe embora permaneça desconhecido e inexistente. Nesta mesma obra, Soren usa sua dialética irônica, porque ele ao mesmo tempo em que afirma uma coisa logo em seguida nega-a. Isso porque esse Desconhecido é o Deus como mestre e salvador, o qual não é totalmente compreendido pela paixão paradoxal da inteligência; ficando preso no limite que há entre a paixão e o desconhecido pela própria inteligência humana. Esse pensador dinamarquês afirma sobre esse assunto o seguinte:

A inteligência não pode ir mais longe: mas o seu sentido do paradoxo leva-a a aproximar-se do obstáculo e a ocupar-se dele; porque, pretende exprimir a sua relação com ele negando a existência daquele desconhecido, não dá certo, visto que o enunciado desta negação envolve precisamente uma relação. Mas o que é então este desconhecido (pois dizer que ele é o deus significa simplesmente que ele é para nós o desconhecido)? Enunciando-se sobre ele que ele é o desconhecido, dado que não se pode conhecê-lo, e que, se mesmo assim se pudesse conhecê-lo, não se poderia enunciá-lo, a paixão não se dará por satisfeita, embora ela tenha captado corretamente o desconhecido como limite: mas o limite é justamente o tormento da paixão, ainda que ao mesmo tempo seu incitamento. E, no entanto ela não consegue ir mais adiante, quer ela arrisque uma saída via negationis, quer via eminentiae (KIERKEGAARD, 2008: 71).  

            O que busca a inteligência é romper limites; tornar o Desconhecido conhecido, a fim de que ela seja a suprema compreensão da concreção. Todavia, essa paixão movedora que a inteligência dispõe em si mesma é portadora do elemento paradoxal. Isso significa dizer que ao chegar ao limite do conhecimento almejado pela própria inteligência, ela percebe a presença do Paradoxo: estamos falando do Desconhecido, e, portanto, a razão não pode ir mais além do seu limite.  
            Nota-se que o Desconhecido tornar-se-á conhecido para logo em seguida voltar a ser novamente o desconhecido. Essa dialética será denominada por Kierkegaard de “paixão paradoxal da inteligência”. Esse jogo é dialético: compreende que o Desconhecido torna-se conhecido e existente para a inteligência que buscava essa realidade, mas ao debruçar-se sobre esse que agora é conhecido, o entendimento verá que o conhecido re-tornou-se a ser desconhecido e inexistente, isto é, o pensamento não consegue abarcar todo o Paradoxo que existe, mas apenas aproximar-se, quando o Paradoxo dá a condição que é a fé, sobretudo, porque, “a própria fé é um milagre, e tudo o que vale para o paradoxo vale também para a fé” (KIERKEGAAR, 2008: 95). Portanto, não é possível provar a existência de Deus historicamente, pois ao jogarmos esse jogo das palavras, ou seja, ao procuramos derivar o ser por meio do pensamento estamos eternizando, de certa maneira, o cômico[1].
            O pensamento sempre se esgota diante do inesgotável, por isso, Soren conceitua Deus como sendo o Paradoxo, isto é, como Aquele que não pode ser pronunciado totalmente, mas permanece desconhecido no limite entre a verdade e a não-verdade, de tal modo que, isso contribua para que o pensador subjetivo e o pensador objetivo venham a se confrontarem em seus modos de existência. É bom entender que, no caso do cristianismo, o discípulo é sempre a não-verdade em si; para que chegue à verdade em si é preciso que Deus a possibilite pela condição, isto é, a fé no Paradoxo desconhecido. Por isso:

Kierkegaard, por intermédio do seu pseudônimo Climacus, sugere que se dê a esse desconhecido o nome de “o deus”. Deste modo, Climacus confessa que Deus não é senão um nome e entende por esse “nome” uma denominação pura e simples para designar “a coisa desconhecida”, “o desconhecido” com o qual se depara o homem, radicalmente não simbolizável. Mas, se Deus é o limite da esfera do conhecido, o além do conhecido, toda a afirmação sobre Deus é nua de sentido. Há coisas que a linguagem não pode dizer e, se mesmo assim a linguagem fala sobre elas, estas se transformam em outra coisa, passando da “existência” à “abstração” do pensamento privado de referências, mas então a linguagem está desconectada do sentido, dado que este só pode ser existencial  (FARAGO, 2006: 201-202). 


[1] REICHMANN. Soren Kierkegaard: Textos Selecionados. 1971. Cômico é todo homem que não tem um interesse apaixonado infinito e, no entanto, quer persuadir os outros que tem este interesse por sua salvação eterna. 217 p.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Breve Reflexão


          Analisando algumas obras do corpus kierkegaardiano, concluímos que não existe um sistema fechado de filosofia, muito menos quando se trata da constituição do homem, porém, ficamos com a noção de que é possível ao homem ter uma maior compreensão de si.
Suscita-nos ao mesmo tempo, uma admiração e uma preocupação. “Admiramo-nos” porque descobrimos nossa condição humana e apreendemo-nos como sujeitos de nossa própria vida, com a finalidade de torná-la cada vez melhor e bela. “Preocupamo-nos” ao notarmos tal condição humana como indeterminada, onde os acontecimentos podem nos levar a uma angústia eterna.
            Na concepção de Kierkegaard só nos despimos de fato quando estamos diante de Deus, porque Ele nos possibilita a nossa aceitação como seres desesperados. Estar diante de Deus significa que temos a consciência de nossas misérias e de nossas grandezas, e assim, é-nos possível superar paulatinamente as angústias existenciais. Quando nos deparamos com a realidade notamos que o homem enquanto homem é sempre habitado por várias relações íntima-infinitas.       
Lendo este pensador descobrimos a nossa própria existência. Ele nos convida a um mergulho desesperador em nossa condição finita. Ao deciframos cada palavra pensada e escrita pelo ele, reavaliamos nossa possibilidade de seres inerentes ao desespero, despertamos de um sonho racional, que nos ludibriou e pelo qual nos constituímos por décadas a nos aceitamos como seres iluminados pela razão. Esse Iluminismo impedia o homem de desnudar-se diante de si mesmo.
Não se olhava mais a vivência das pessoas. Era o tempo do cientificismo mecanicista. Era a técnica por si mesma. O otimismo intelectual reinava ligeiramente nos centros culturais do período de Kierkegaard. Ele propõe Temor e Tremor diante da vida. Era preciso enfrentá-la mesmo correndo riscos; assumir responsabilidades, superar o imediato e se afirmar frente ao abstrato.
É com essa proposta que esse dinamarquês escreve seus pensamentos. Pois nele encontramos questões íntimas que dizem respeito à existência humana. E de fato, a nossa sociedade contemporânea vive em semelhança à sociedade que Kierkegaard criticava, pois estamos cada vez mais marcados por uma cultua movida pela estética, onde o consumo de inúmeros produtos de cosméticos é abusivo, como também, a busca por cirurgias plásticas seguem o mesmo ritmo. Existe ainda a busca incansável pela conquista de inserir-se na chamada alta-sociedade. Onde as pessoas comentem abusos excessivos, tanto nos trajes como nos bem materiais, para serem considerados membros dessa classe social. É preciso usar uma marca de grife famosa para se dizer quem é o indivíduo.
Ao mesmo tempo, vemos com clarividência uma sociedade marcada pelo moralismo. Contudo, trata-se de uma falsa-moralidade que rege a nossa sociedade. Guiada por contradições praticadas pelos elaboradores dessa mesma moral. Ela serve apenas para oprimir aqueles menos capacitados ao conhecimento de seus direitos civis. Mas é ressaltada ao extremo quando é pretendida por algum meio de comunicação importante ou por alguns personagens de renome no cenário nacional. É uma moralidade presa em si mesma. Sufocada pelos próprios idealizadores.
Se vivêssemos apenas em função dela, com certeza, teríamos uma vida marcada por desesperos finitos. Estaríamos na penumbra infindável do determinismo. Mas é da natureza do homem romper as ideias pré-estabelecidas. Pois ele não é apenas um vazio que acumula opiniões exteriores. A todo tempo, o indivíduo busca construir seu próprio caminho; vai superando as imposições convencionais, e com isso, transcende a própria realidade desesperadora.
Não obstante, encontramo-nos inseridos num contexto onde é cada vez maior a descrença em relação a Deus e ao cristianismo. Mas a problemática disso é lançada pelos próprios cristãos, que fizeram de sua fé uma aberração. Eles não se entendem. Cada qual criou um modo individualista-egoísta de compreender a mensagem cristã. O deus que eles apresentam é desvinculado da realidade. Suas atitudes não imensuráveis, pois nas igrejas são santos e no convívio social são inescrupulosos. Kierkegaard tinha toda razão quando dizia que o cristianismo dos primeiros discípulos não é mais encontrado hoje nas igrejas estatais. É preciso cristianizar a cristandade. É preciso fazer uma Reforma em oposição ao modo como vivem os que se dizem evangelizadores por vocação profética.
Vemos, portanto, que as problemáticas existenciais apontadas por Kierkegaard permanecem em pleno século XXI. Para melhor entendermos nossa condição humana, é conveniente fazermos uma releitura atual de Kierkegaard, pois, com certeza, encontraremos elementos importantes que nos ajudarão a compreender mais a fundo a nossa realidade hodierna.
Com isso nos resta uma busca incansável pelo descobrimento da nossa existência. Nesse autor não vemos apenas um início de um sistema, mas sim uma história de vida contada em diários acadêmicos, que desperta no homem um desejo aprofundar-se em seu existir enquanto condição humana, delimitada pelo finito, mas enriquecida pela infinitude do Absoluto possível. 

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A Noção de Deus na Sociedade Contemporânea

Mediante a exigência de uma verdade eterna, a crítica kierkegaardiana ao cristianismo dinamarquês influenciado pelo espírito idealista, é muito oportuna para a vivência cristã da sociedade contemporânea. Essa sociedade vive conturbada com suas incertezas religiosas. As pessoas não se entendem ao falar de Deus; o cristianismo tornou-se a religião da contradição, distanciado da existência real como é entendido por Kierkegaard.
Tornou-se num paradoxo religioso, porque o cristão tende a ver sua relação com Deus de maneira contraditória; onde ambos foram trocados de lugares. O indivíduo “religioso” ocupou o lugar de Deus, e Este está obrigado a atender as necessidades do indivíduo. O Senhor passou a ser uma abstração mágica do homem, subjugado a todo instante. Os líderes religiosos, devido as suas péssimas formações filosóficas e teológicas, tornaram-se magníficos sofistas da fé. Especializaram-se na arte da oratória com pregações apocalípticas e miraculosas, a fim de, construir nos fiéis um cristianismo marcado pelo medo como o meio mais fácil de dominação de seus rebanhos.
A religião cristã chegou a seu pior estado existencial. Qualquer pessoa que tenha um pouco de coerência percebe que a cristandade de hoje está longe dos cristãos do Novo Testamento, não só pelo período histórico, mas, sobretudo, pela vivência de sua fé nos dias de atuais.
Não se prega mais o paradoxo da fé. Os discípulos do cristianismo de hoje, não são contemporâneos de Cristo, mas assemelham-se aos seus inimigos, pois usurpam a religião anunciada pelos verdadeiros apóstolos, que são aqueles que seguem o homem-Deus segundo os textos bíblicos. Deus foi relativizado, sendo utilizado para obter proveitos próprios pelos pregadores, como para fundamentar as verdades dogmáticas das Igrejas. Passou, Deus, a ter uma finalidade imediata e uma utilidade prática. A finalidade é garantir o bem-estar dos cristãos. Sua utilidade está no que convém às necessidades dos crentes para justificar suas ações cômicas.
Infelizmente, ser pertencente ao cristianismo hoje, chega a ser bizarro; nada mais cômico do que essa afirmação, que em nada acrescenta na vida do indivíduo. Estamos diante de um legado fantasioso, mentiroso; tudo isso é uma ilusão, porque, os homens que se dizem religiosos, na sua maioria, não passam de aproveitadores do Paradoxo, pois fazem Dele um meio de se auto-promoverem como homens santos, mas que no fundo não passam de homens estetas, porque são bem quistos pela sociedade, ou de homens éticos, porque fazem do cristianismo um sistema moralista determinista da existência humana. Em virtude dessa mudança de paradigmas, como apontou Kierkegaard, a própria existência foi transformada numa quimera, onde as pessoas não se percebem como protagonistas de suas vidas reais.
Os pregadores são culpados, visto que, seus sermões não passam de discurso políticos a fim de favorecer um determinado grupo partidário da própria Igreja ou estatal. A palavra do Novo Testamento tem servido apenas de justificação para as corrupções dos pastores-vendedores , com o intuito de favorecer seu bem-estar, sendo deixada de ser anunciada como um projeto de felicidade eterna. Faz-se necessário que o sujeito consciente de si atente sobre si mesmo para permanecer cristão no sentido mais profundo como compreendeu Kierkegaard, e não como pregam esses pastores-vendedores.

Afinal, todos nós fomos batizados e instruídos no Cristianismo, não se pode falar então de expandir o Cristianismo, e por outro lado, longe de nós julgarmos de alguém, que se diz cristão, que ele não o seja; não se trata portanto de confessar o Cristo em opção aos não-cristãos. Em compensação, é útil e necessário que o indivíduo cuidadosamente e consciente de si atente sobre si mesmo e se possível ajude os outros (tanto quanto um homem pode ajudar o outro, pois Deus é quem verdadeiramente ajuda) a permanecer cristão num sentido sempre mais profundo (KIERKEGAARD, 2005a: 67).

O absurdo do cristianismo apontado pelo autor dinamarquês consiste no fato de que o culto religioso transformou-se num ato social. O pregador assumiu a função de um pastor-funcionário , onde seu discurso é alternado conforme a classe de sujeitos que se encontram nos atos religiosos, com essa atitude, esses pastores-funcionários escandalizam o escândalo paradoxal da cruz.
Transformaram o homem crístico num conformado com o mundo atual; alienado em si mesmo, incapaz de ter uma verdade subjetiva que o mova a infinitude da fé. É preciso “cristianizar a cristandade”, pois ser cristão é uma aberração tanto nos tempos desse pensador como nos dias atuais!
Dando continuidade ao raciocínio sobre o conceito de Deus, sobre o Paradoxo Absoluto, conclui-se que o conceito de Paradoxo é a significativa diferença absoluta que há entre Deus e o homem. Este é um ser individual, dado na realidade do existir, portanto, finito em si, mas eterno enquanto relação com o atemporal que toca o tempo do existir de um existente real, pois, segundo Kierkegaard, “Deus, ao contrário, é o infinito que é eterno”. Desse modo, só podemos compreender uma coisa do Paradoxo, isto é, que Ele não pode ser compreendido totalmente, senão, vivido na interioridade da existência. Todavia, “explicar o paradoxo significaria assim compreender mais profundamente o que é um paradoxo e que o paradoxo é o paradoxo” (REICHMANN, 1971: 248).
Por isso o Paradoxo é a contradição, sempre presente no limite infinito. Quando Deus toca o tempo no instante infinito surge a presença do Absoluto possível. A Deus tudo é possível, basta ao homem do desespero crer no eterno para que a qualquer instante Deus possa efetivar o possível. O possível pertence a Deus; existe Nele porque Ele não tem nenhum dever absoluto senão o de amar. Este plenamente eterno e atemporal, mas ao mesmo tempo dado no finito temporal.
Esse Desconhecido que toca o limite do conhecido acontece no instante infinito. Significa ver o instante pela perspectiva atemporal, ou seja, num dado momento ele se apresenta no tempo para logo em seguida se ocultar e voltar a se deixar conhecer. É da essência de Deus mostrar-se nessa dupla realidade, e isso não representa um jogo onde Deus brinque com o homem, se tal coisa fosse verdade, o Paradoxo seria um sistema puramente lógico e abstrato.
Quando tudo isso se efetua e o homem percebe essa dialética paradoxal, é o momento da contemplação, onde a subjetividade descobre que carece do possível; seu desespero necessita de um critério.

Eis o critério: a Deus tudo é possível. Verdade de sempre, e, portanto de qualquer instante. É um estribilho quotidiano, e que todos usam sem pensar no que significa, mas a expressão só é decisiva para o homem que esgotou todas as possibilidades, e quando nenhum outro possível humano subsiste. O essencial para ele é então saber se quer crer que a Deus tudo seja possível, se tem a verdade de acreditar nisso. Mas não será a fórmula mais própria para perder a razão? Perdê-la para ganhar Deus, é o próprio ato de crer (KIERKEGAARD, 1989: 44-45).

Nada mais angustiante do que o possível, essa possibilidade entre o sim e o não. Esse jogo dos contrários, onde o indivíduo fica sem uma decisão final, mas jogado nesse limite do talvez possa ou não possa efetua-se sua liberdade, onde a única escolha é optar pelo “a Deus tudo é possível”. Essa liberdade é afinal uma necessidade, sobretudo, quando nenhum outro possível humano subsiste, e aí, deve-se optar pelo Absoluto. A necessidade é sempre movida pela incerteza do possível, é acreditar no que ainda não temos certeza. Crer no Paradoxo é tornar-se absurdo para o entendimento humano. Ao acontecer tal coisa, surge o reconhecimento da finitude da paixão paradoxal da inteligência e com isso ela volta a tornar-se infinita, pois sabe que precisa construir muitos caminhos até chegar ao Paradoxo apontado pelo cristianismo.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Estágio Ético

Mas o que comporta essa passagem? A seriedade! O herói trágico está agora no desespero-ético, e para tal, precisamos fazer um acordo acerca desse herói, o qual denominá-lo-emos de indivíduo oposto ao imediatismo geral, aquele que com seriedade cumpre o que a moralidade ordena. Porque a moral é o divino para esse indivíduo, e por mais que falemos sobre ele, ainda permanecerá na esfera moral.
Esse pensador dinamarquês arduamente trouxe à tona o sacrifício de Abraão para tratar dos estágios existenciais, e procura mostrar que no ato das escolhas, todo o homem carrega em si essa enfermidade, mesmo o mais religioso de todos os indivíduos é portador desse mal. Contudo, o desespero de Abraão carrega em si certa beleza do ponto de vista religioso e que todo homem deve buscar essa contemplação, admiração com o intuito de alcançar o mesmo estágio existencial, desse modo afirma o filósofo que:

Quisera ter participado dessa viagem de três dias, quando Abraão, montado no seu burro, seguia com a tristeza em frente e Isaac ao lado. Quisera estar presente no instante em que Abraão, ao erguer os olhos, viu ao longe a montanha de Morija, no instante em que despediu os burros trepou a encosta, sozinho com o filho – porque estava preocupado, mas não por engenhos artifícios da imaginação, mas pelos temores do pensamento (KIERKEGAARD, 1979b: 113).

Kierkegaard retoma aqui o episódio de Abraão que ele caracteriza como “cavaleiro da fé”, porque mesmo estando possuído pela tristeza melancólica, atordoado pelos temores do pensamento, no mais profundo conhecimento de seu desespero, manteve-se crente no Paradoxo da fé com Temor. Porém, visto pelo viés da moralidade, esse cavaleiro não comporta nenhum ato heróico e não há nenhuma beleza em si e não merece que choremos sua dor, caso tivesse sacrificado Isaac. Se isto de fato ocorresse, o Indivíduo Abraão deveria, como sugere a ética, assumir sua responsabilidade diante do geral, pois a ética implica dever, ou seja, é aplicável a cada instante.

A moralidade, em si, está no geral, e a esse título é aplicável a todos. O que pode por outro lado, exprimir-se dizendo que é aplicável a cada instante. Repousa imanente em si mesma, sem nada exterior que seja seu telos sendo ela mesma telos de tudo o que lhe é exterior; e uma vez que se tenha integrado nesse exterior não vai mais além. Tomado como ser imediato, sensível e psíquico, o Indivíduo é o Indivíduo que tem seu telos no geral; a sua tarefa moral consiste em exprimir-se constantemente, em despojar-se do seu caráter individual para alcançar a generalidade. Peca o Indivíduo que reivindica a sua individualidade frente ao geral, e não pode reconciliar-se com ele senão reconhecendo-o. De cada vez que o Indivíduo, depois de ter entrado no geral, se sente inclinado a reivindicar a sua individualidade, entra numa crise da qual só poderá libertar-se pela via do arrependimento e abandonado-se,como Indivíduo, no geral (KIERKEGAARD, 1979b: 141)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A felicidade eterna prometida pelo Cristianismo

O problema objetivo consiste numa investigação acerca da verdade do Cristianismo. O problema subjetivo diz respeito à relação do indivíduo com o Cristianismo. Para pôr as coisas de forma simples: como é que eu, Johannes Climacus [Kierkegaard], posso participar da felicidade prometida pelo Cristianismo? ... Partindo do princípio de que não há problemas com as Escrituras o que se segue? Uma pessoa que antes não tinha fé passou a estar um só passo mais próximo de a ter? Não, nem um só passo. A fé não resulta da investigação científica; não tem de todo uma origem direta. Pelo contrário, nesta objetividade há a tendência para perder o interesse pessoal infinito pela paixão que é a condição da fé, o ubique et musquam no qual a fé pode brotar.

Uma pessoa que antes tinha fé ganhou algo no que respeita à sua força e poder? Não, nem de longe. Em vez disso, aquilo que ocorre é que, neste volumoso conhecimento, nesta certeza que espreita à porta da fé e ameaça devorá-la, ela está numa situação tão perigosa que precisará de esforçar-se muito, cheia de medo e a tremer, para que não caia vítima da tentação de confundir conhecimento com fé. Apesar de a fé ter tido até agora um mestre-escola eficaz na incerteza existente, teria na nova certeza o seu mais perigoso inimigo. Pois, se a paixão for eliminada, a fé deixa de existir, e a certeza e a paixão não coexistem. Quem quer que acredite que há um Deus e uma providência que tudo governa achará mais fácil preservar a sua fé, mais fácil adquirir uma coisa que é definitivamente fé e não uma ilusão, num mundo imperfeito em que a paixão é mantida viva do que num mundo absolutamente perfeito. Num tal mundo, a fé é impensável. Assumo agora o oposto, que os adversários conseguiam provar o que desejam sobre as Escrituras, com uma certeza que transcende a vontade mais ardente da hostilidade mais entusiástica e daí? Aboliram com isso o Cristianismo? De modo algum. Foi o crente lesado? De modo algum, nem um bocadinho. O adversário tornou legítimo ser liberto da responsabilidade de não ser crente? De modo algum. Lá porque estes livros não são escritos por estes autores... e não são inspirados não se segue ... que Cristo não existiu. Até agora, o crente é igualmente livre para assumi-lo. ...

Eis o ponto essencial da questão, e retorno ao caso da teologia culta. Em prol de quem é a prova procurada? A fé não precisa dela e deve até vê-la como sua inimiga. Mas quando a fé começa a sentir-se embaraçada e envergonhada, como uma donzela para quem o seu amado já não é suficiente, mas que se sente secretamente envergonhada do seu amante e tem, portanto, de pensar que há algo de notável nele quando a fé começa deste modo a perder a paixão, quando a fé começa a deixar de ser fé, então torna-se necessária uma prova para merecer o respeito do lado da descrença. ... A filosofia ensina que deve tornar-se objetiva, ao passo que o Cristianismo ensina que deve tornar-se subjetiva, isto é, tornar-se um sujeito na verdade. ...

O Cristianismo deseja intensificar a paixão ao seu mais alto grau; mas a paixão é subjetividade e não existe objetivamente. ... Pode-se presumir, então, que a tarefa de tornar-se subjetivo é a tarefa mais elevada e uma tarefa proposta a todos os seres humanos; tal como, analogamente, o prêmio mais elevado, uma felicidade eterna, existe apenas para aqueles que são subjetivos; ou melhor, passa a existir para os indivíduos que se tornam subjetivos. Quando a questão da verdade é colocada de forma objetiva, a reflexão é dirigida objetivamente para a verdade como um objeto com o qual aquele que conhece está relacionado. Contudo, a reflexão não está focada na relação, mas na questão de saber se é a verdade com a qual aquele que conhece está relacionado. Se apenas o objeto com que ele está relacionado é verdadeiro, o sujeito é considerado estar na verdade.

Quando a questão da verdade é levantada subjetivamente, a reflexão é dirigida subjetivamente para a natureza da relação individual; se apenas o modo desta relação está na verdade, o indivíduo está na verdade mesmo que ele esteja assim relacionado com o que não é verdade. Tomemos como exemplo o conhecimento de Deus. Objetivamente, a reflexão é dirigida ao problema de saber se este objeto é o Deus verdadeiro: subjetivamente, a reflexão é dirigida para a questão de saber se o indivíduo está relacionado com uma coisa de tal maneira que a sua relação é na verdade uma relação-com-Deus. ... O indivíduo existente que escolhe prosseguir o caminho objetivo entra no processo-de-aproximação completo pelo qual se tenta revelar Deus objetivamente. Mas isto é totalmente impossível, porque Deus é um sujeito e, portanto, existe para a subjetividade apenas na interioridade. A ênfase objetiva incide no QUE é dito, a ênfase subjetiva no COMO é dito. Esta distinção mantém-se mesmo no reino estético e recebe uma expressão precisa no princípio de que é em si mesmo verdade pode na boca de tal e tal pessoa tornar-se falso ... Objetivamente o interesse está focado unicamente no pensamento-conteúdo, subjetivamente na interioridade. No seu máximo este "como" interior é a paixão do infinito, e a paixão do infinito é a verdade. Mas a paixão do infinito é completa subjetividade e, assim, a subjetividade torna-se a verdade. ... Apenas na subjetividade existe determinação para procurar o fator e não o seu conteúdo, pois o seu conteúdo é precisamente ele próprio. Desta forma, a subjetividade e o seu "como" subjetivo constitui a verdade. ... Eis aqui uma tal definição de verdade: uma incerteza objetiva agarrada rapidamente num processo de apropriação da mais apaixonada interioridade é a verdade, a verdade mais elevada que um indivíduo existente pode atingir. ...

Mas a definição acima de verdade é uma expressão equivalente da fé. Sem riscos não há fé. A fé é exatamente a contradição entre a paixão infinita da interioridade individual e a incerteza objetiva. Se sou capaz de captar Deus objetivamente, não acredito, mas precisamente porque não sou capaz de fazer isto tenho de acreditar. ... Sem risco não há fé e quanto maior o risco maior a fé; quanto mais é a segurança objetiva menos é a interioridade (pois a interioridade é precisamente subjetividade), e quanto menos é a segurança objetiva mais profunda é a interioridade possível. Quando o paradoxo é em si mesmo paradoxal repele o indivíduo em virtude do seu absurdo e a paixão correspondente à interioridade é a fé. Quando Sócrates acreditou que havia um Deus, ele agarrou-se rapidamente à incerteza objetiva com toda a paixão da sua interioridade, e é justamente nesta contradição e neste risco que a fé tem as suas raízes. Agora é de forma diferente. Em vez da incerteza objetiva, há aqui uma certeza, a saber, que objetivamente é absurdo; e este absurdo, agarrado rapidamente na paixão da interioridade, é fé. A ignorância socrática é uma espécie de brincadeira genial em comparação com a seriedade perante o absurdo; e a interioridade existencial socrática é uma frivolidade grega em comparação com a enérgica gravidade da fé. Devido à sua repulsão objetiva o absurdo é precisamente a medida da intensidade da fé na interioridade. Suponha um homem que deseje adquirir a fé; deixe a comédia começar. Ele deseja ter fé, mas ele deseja também proteger-se por intermédio de uma investigação objetiva e do seu processo-de-aproximação. O que acontece? Com a ajuda do processo-de-aproximação o absurdo torna-se algo diferente; torna-se provável, torna-se progressivamente provável, torna-se extrema e enfaticamente provável. Agora ele está pronto a acreditar nisso, e ele aventura-se a afirmar para si mesmo que não acredita como os sapateiros e os alfaiates e o povo simples acredita, mas apenas após uma longa deliberação. Agora ele está pronto a acreditar nisso; e, vejam só, agora tornou-se completamente impossível acreditar nisso. Algo que seja quase provável, ou provável, ou extrema e enfaticamente provável, e algo que ele pode quase conhecer, ou tão bom como conhecer, ou extrema e enfaticamente quase conhecer, mas é impossível acreditar...

Tradução de Álvaro Nunes Søren Kierkegaard, Concluding Unscientific Postscript, traduzido a partir da tradução inglesa de David F. Swenson and Walter Lowrie (Princeton University Press, 1949 e 1961), ublicada in Howard Kahane, Thinking About Basic Beliefs, Wadsworth, Belmont, 1983, pp. 30-32.
Dia de acesso ao site: 03.05.2009
http://www.scribd.com/doc/932919/Soren-Kierkegaard-A-felicidade-eterna-prometida-pelo-Cristianismo