sábado, 9 de março de 2013

A Existência de Deus

Deus não é um nome, mas um conceito.

A Prova da Existência de Deus

Não será um empreendimento excêntrico pretender extrair dos atos de Napoleão a prova da sua existência? Porque, se é verdade que a sua existência explica os seus atos, os seus atos não podem provar a sua existência, a menos que esta tenha já sido implicitamente posta na palavra sua. Além disso, na medida em que Napoleão não é senão um indivíduo, não existe entre os seus atos e ele relação absoluta tal que nenhum outro indivíduo seria capaz das mesmas ações: é talvez essa a razão que me impede de concluir dos atos para a existência. Com efeito, se digo que os atos são de Napoleão, então a prova é supérflua, pois que já me referi a ela; mas se ignoro o nome do seu autor, como provar pelos próprios atos que eles são efetivamente de Napoleão? Não posso ultrapassar a afirmação, inteiramente abstrata, de que procedem de um grande general, etc.

Pelo contrário, entre Deus e os seus atos existe uma relação absoluta, porque Deus não é um nome, mas um conceito, e é talvez por isso que a sua essentia involvit existentiam. Assim, os atos de Deus só Deus pode praticá-los; muito bem; mas quais são então os atos de Deus? De atos imediatos, a partir dos quais possa provar a sua existência, não vejo o menor vestígio, a menos que admita que a ação da sua sabedoria da natureza, da sua bondade ou da sua sabedoria na Providência entre pelos olhos dentro. Mas, com isto, não abro eu a porta, pelo contrário, a tentações terríveis, tentações tais que não é possível superá-las a todas? Não, de tal ordem de considerações não consigo tirar verdadeiramente a prova da existência de Deus, e, mesmo que o tentasse, jamais conseguiria levá-lo a termo, enquanto me veria forçado a viver sempre em suspenso, com o receio de que me sucedesse de repente alguma coisa tão terrível como a perda das minhas pequenas provas.

Soren Kierkegaard, in "Mitos Filosóficos"  http://www.citador.pt/textos/a/soren-kierkegaard

domingo, 3 de março de 2013

Romantismo-Idealismo do Amor


A grandiosidade do Homem depende da Mulher, mas só enquanto não a possui...

O homem deve à mulher tudo quanto fez de belo, de insigne, de espantoso, porque da mulher recebeu o entusiasmo; ela é o ser que exalta. Quantos moços imberbes, tocadores de flauta, não celebraram já o tema? E quantas pastoras ingênuas não o ouviram também? Confesso a verdade quando digo que a minha alma está isenta de inveja e cheia de gratidão para com Deus; antes quero ser homem pobre de qualidades, mas homem, do que mulher - grandeza imensurável, que encontra a sua felicidade na ilusão. Vale mais ser uma realidade, que ao menos possui uma significação precisa, do que ser uma abstração susceptível de todas as interpretações. É, pois, bem verdade: graças à mulher é que a idealidade aparece na vida; que seria do homem, sem ela? Muitos chegaram a ser gênios  heróis, e outros santos, graças às mulheres que amaram; mas nenhum homem chegou a ser gênio por graça da mulher com quem casou; por essa, quando muito, consegue o marido ser conselheiro de Estado; nenhum homem chegou a ser herói pela mulher que conquistou, porque essa apenas conseguiu que ele chegasse a general; nenhum homem chegou a ser poeta inspirado pela companheira de seus dias, porque essa apenas conseguiu que ele fosse pai; nenhum homem chegou a ser santo pela mulher que lhe foi destinada, porque esse viveu e morreu celibatário. Os homens que chegaram a ser gênios, heróis, poetas e santos cumpriram a sua missão inspirados pelas mulheres que nunca chegaram a ser deles.

Se a idealidade da mulher fosse positivamente, e não negativamente, um fator de entusiasmo, inspiratriz seria a mulher à qual o homem, casando, se unisse para toda a vida. A realidade fala-nos, porém, outra linguagem. Quero dizer que a mulher desperta, sim, o homem para a idealidade, mas só o torna criador na relação negativa que mantém com ele. Compreendidas assim as coisas, poderá efetivamente dizer-se que a mulher é inspiradora, mas a afirmação direta não passa de um paralogismo em que só a mulher casada pode acreditar. Quem ouviu alguma vez dizer que uma mulher casada tivesse conseguido fazer do marido um poeta? A mulher inspira o homem, sim, mas durante o tempo que for vivendo até a possuir. Tal é a verdade que está escondida na ilusão da poesia e da mulher.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Transcendência Temporal


A afirmação do homem religioso, Kierkegaard compreende como um estágio existencial superior, porque supera e não aniquila os estágios estético e ético. Toda a relação está voltada para uma realidade que supera a coisificação do próprio homem. Nesse estado qualitativo transparece claramente a existência humana desvelada em si mesma, sem máscaras sociais ou postulações indefinidas, calcadas em eventos cingidos pela a aparência cotidiana.  Contrariando o espetáculo circense em que o homem está inserido ou elevado a compreensão da moralidade que formata o homem na coletividade, Kierkegaard, eleva a vivência concreta do indivíduo, esclarecendo que o existir decide-se por algo mais profundo, o conhecimento de si, o qual dispensa a aparência estética e a formatação definida pela moral, em vista da transcendência temporal, onde irá relacionar-se o finito com a infinitude. 

Solidão da Escolha


As possibilidades se manifestam ao homem a partir do momento em que ele opta por vir-a-ser. Na decisão, que já é uma escolha, encontram-se infinitas ações que o sujeito pode executá-las. Suas realizações estão condicionadas a uma decisão tomada racionalmente. Na solidão da escolha, o homem depara-se com o deserto em si, tentado a recuar pelos impulsos ambivalentes da timidez existencial. É preciso erguer a cabeça e enfrentar-se permitindo sua autoafirmação diante da estagnação própria do nada escolher. Ao tomar uma decisão devemos ter consciência de que ela irá implicar em infinitas outras escolhas; abre-se um leque imensurável de opções tidas como pressupostos anônimos, os quais serão reconhecidos mediantes circunstâncias vitais, que vamos percebendo e tomando conhecimento racional ao longo do curso histórico. 

Fidei Dom


O homem vive no limiar da opção entre o isso ou o aquilo, isto é, na instante do nada. Pode torna-se algo quando decide por si, fazendo uma escolha, opta por assumir sua condição de ser. Todavia, a escolha, segundo Kierkegaard, exige uma força sobrenatural a qual podemos denominá-la de fé.  A fidei dom (dom da fé) é um ato também de escolha que se fundamente no Criador de todas as coisas, o Deus cristão. Para Kierkegaard, o Deus Cristão tende a significar a divindade tocando o limiar da existência humana, confirmando em sim, no homem a realidade das relações existenciais entre atemporal e o temporal. Tal relação não está supostamente eliminando as ambivalências ou dúvidas, mas confrontando o limite humano com a sua capacidade de eternizar a vida. Reconhecimento e escolha pelo Eterno abre o pressuposto da infinitude humana, fazendo dela um cavaleiro da fé.