terça-feira, 22 de dezembro de 2009

In Vino Veritas

Esta Obra (In Vino Veritas:No Vinho a Verdade) de Kierkegaard traz uma explicação do estágio estético em relação à compreensão do conceito do amor. Não podemos esquecer que esse é um dos três estágios existencias da constituição do homem. Kierkegaard, no banquete narrado nesta obra, apresenta os vários pontos de vista que o homem tem ao tratar do tema do amor. Conceito que mesmo estando dentro da postura da moralidade recebe diversas interpretações, sendo postulando ora pela prazer estético, ora pela obrigação da moral, quando esta compreende o amor ao outro como uma nessecidade de prolongamento familiar ou como uma resposta à sociedade que impõe a obrigação do compromisso matrimonial. Contudo, Soren acredita na proposta do amor como uma alteridade sempre aberta ao outro na perspectiva de um prolongamento de si. (Eu)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Estágio Estético


O homem kierkegaardiano é possuidor de uma essência eterna e temporal, isso significa dizer que ele é uma síntese estabelecida pela relação de infinitude e finitude. Nessa relação, cada um dos termos age interligado, pois a relação entra como um terceiro termo. Os termos agem interligados conservando em si a autonomia de cada um. A autonomia representa a manifestação da infinitude na finitude e caso não houvesse a liberdade entre ambos os termos, o temporal perderia a noção do atemporal, sairia da eternidade para a temporalidade; teria a ideia de que todo real seria ele mesmo; o existir seria imediato; concluir-se-ia no último ato da finitude, não havendo assim o eterno. A última manifestação do eu seria o fim de todo o existir. Essa liberdade entre os termos representa o desdobramento do eterno, pois nesse não há necessidade de anulação, uma vez que ele é causa de existir do imediato.
Nesse imediato, o homem estético encontra o desespero de si, sua angústia , pois tudo o que efetua tem um tom de eternidade, lança-se no Temor e Tremor para conseguir seus objetivos, e assim, não se torna Indivíduo “em virtude de uma decisão pessoal” , mas ao contrário, decide-se em relação ao desejo de ser reconhecido pelo geral, pela multidão . Desse modo “a postura que o esteta mantém é a de finitude, já que vive preso às infinitas possibilidades, sem a realização concreta de umas delas, ele simplesmente percebe o mundo do possível, mas não é capaz de responder a ele” (OLIVEIRA, 2004: 6).
Esse aspecto do esteta reflete-se no existir-paradoxal e efetua-se no que Kierkegaard denomina como desespero. Noutra releitura pós kierkegaardiana, esse desespero aparece como desespero-estético. Isto é, um momento em que o indivíduo não se fundamenta em nenhum ato de eternidade, ficando pendente na esfera do imediatismo, acreditando numa não-verdade, em um engano de si mesmo, onde “a perda é irreparável” . Desse modo, o desespero, enquanto, angústia que é a condição humana em suas infinitas escolhas, mas limitada pela objetivação finita do indivíduo, acontece no dar-se dessa relação entre os termos. O homem encontra-se num desespero dual, ou seja, o de não querer ser ele próprio e de querer ser ele próprio. O desespero de não querer ser ele próprio acontece a partir do momento em que o eu (homem) percebe-se como si próprio e, nega a si mesmo, sua relação com a finitude. Ele não se aceita como ser temporal, no sentido de possuir imperfeições, limitações que o impossibilitam de ter uma superação da sua própria fragilidade.
Quando o indivíduo aceita a si mesmo (infinito e finito), como dependente dessa relação, ele se reconhece como ser imperfeito e limitado. Essa aceitação não é uma maneira especial de se desesperar, pelo contrário, é nela que o desespero se resolve, e a ela se reduz. Isso porque, o desespero não é uma manifestação exterior que poderia ser resolvida por soluções exteriores, mas sim, um fenômeno interior que só pode ser resolvido por uma força de vontade, por um desejo imanente da interioridade, que segundo Kierkegaard se revela como fé. É nessa afirmação do eu, nesse re-conhecer-se como eterno que surge o desespero do reconhecimento de si.
Somos seres com possibilidades e com impossibilidades de sermos felizes e para isso precisamos dar sentido às coisas sempre. Com isso, nos sentimos ameaçados; entramos num estado de inconformidade, onde tudo parece sem sentido e, assim sendo, buscamos no imediatismo estético uma resposta que supra nossas necessidades.
Uma categoria importante do estágio estético é o reconhecimento. Seu ato deve ser sempre cultuado como o mais elevado de todos os demais. Sua atuação nos palcos do mundo tende a ser constituída por representações; não há nenhum sinal de eternidade, senão, a negação da verdade que existe no indivíduo, ou seja, a paixão pela sua beatitude eterna, pois “o cristianismo é espírito, o espírito é interioridade, a interioridade é subjetividade, a subjetividade é essencialmente paixão e (...) paixão que sente um interesse pessoal infinito por sua beatitude eterna” (REICHMANN, 1971: 213).
Porque a estética tem a pretensão de considerar o herói trágico como um lutador corajoso, que durante décadas esforçou-se por dá sempre o melhor de si, e assim construiu o que de mais belo poderia existir num ato humano e, mediante isso, todos devem aplaudi-lo e chorar de comoção com seu belo ato heróico. Nesse caso, a estética sempre busca e se propõe a fazer do tempo um caso omisso, transportando o indivíduo sempre ao atemporal cristalizado e efêmero, e imediatizando o eterno a todo custo.
No livro As Obras do Amor, Kierkegaard faz uma descrição interessante de como o “poeta e o Cristianismo explicam exatamente o contrário” o deves amar dizendo que “o poeta a rigor não explica nada, pois ele explica o amor e amizade – em enigmas, ele explica o amor e amizade como enigmas, mas o Cristianismo dá a explicação eterna do amo.” (KIERKEGAARD, 2005a: 70). Isso para dizer que o estágio estético é um enigma, onde o homem não compreende, não vive em função do conhecer-a-si-mesmo na existência-paradoxal, mas desvanece no seu silêncio interior, permanecendo indiferente, onde o geral é a fonte que lhe deve fornecer a significação do que ele é de fato. Esse persistir no dever que a multidão lhe impõe é ficar à mercê de uma existência pensante, pois tudo o que acredita é o que o seu cogito determina como utopia. E talvez seus atos não sejam reconhecidos como queria, isso porque, o esteta imaginou uma conclusão, mas o geral deu-lhe outro significado para aquilo que foi projetado de antemão. As conseqüências nem sempre podem ser determinadas pela aspiração do poeta, pois o julgamento é sempre dependente do outro indivíduo quando se está na dependência da vida estética.
Mediante essa abstração, sem ter passado por uma suspensão teleológica, o esteta, isto é, o herói trágico nos induz à seguinte pergunta. Qual é a maior ameaça que pesa sobre o homem senão o próprio homem? A resposta é: O homem é sua própria ameaça porque a todo instante ele combate consigo mesmo, sendo seu próprio exército e seu inimigo. A todo o momento está se auto-destruindo na perspectiva de possuir uma nova personificação. O eu olha para si e não se reconhece ou não se aceita; olha para a exterioridade e a partir dela almeja construir uma idéia real, mas o real não pode vir do ilusório, e nisso o desesperado se desespera, pois o seu sonho se fez fracasso. O fracasso leva o indivíduo a um incompreensível desespero, porque ele tem que se sujeitar ao insucesso.
Esse processo desesperado frente ao fracasso consiste no imediatismo que somos. Enquanto formos delimitados por essa existência viveremos esse mal, porque no dar-se ao mundo somos impelidos a nos confrontarmos com nossas escolhas que são inerentes a todo ser humano. Portanto, o desespero não é privilégio do homem pagão ou do homem cristão, mas de ambos. Todo homem traz em si o desespero, porque essa angústia é resultado de uma síntese. Mesmo o homem inconsciente do desespero que lhe habita, traz em sua interioridade uma certa inquietação, um certo receio, uma sensação de perda, uma desarmonia. Por trás de tudo isso há um desconhecido que ele nem ousa conhecer, que no fundo é o desespero.
"Assim como talvez não haja, dizem os médicos, ninguém completamente são, também se poderia dizer, conhecendo bem o homem, que nem um só existe que esteja isento de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê de desconhecido ou que ele nem ousa conhecer (...) um receio de si - próprio" (KIERKEGAARD, 1989: 25).

Nesse sentido todo homem é habitado pelo desespero; ele é atravessado até o íntimo do seu ser por essa doença; a presença do desespero é tão real quanto seu ser-no-mundo. Não há no homem por mais profundo que seja um lugar que essa enfermidade não alcance. Mas nesse mesmo sujeito singular, há uma outra existência, uma Infinitude que lhe habita e que é causa da superação desse mal desconhecido. Essa infinitude é Deus presente no indivíduo, através dessa presença rompe-se a relação homem-desespero, dando ao sujeito a garantia da felicidade plena e o alcance do estágio religioso, no caso do cristianismo, a vida eterna; isto é, a felicidade eterna prometida pelo cristianismo. O significado pleno dessa felicidade acontece na suspensão da existência real, pois nessa existência o homem aprende a conviver com o desespero graças ao estágio religioso.
Enquanto essa suspensão da existência não acontece nem pelo ético e nem pelo religioso, estando ainda preso ao estágio estético, o indivíduo se vê jogado na vertigem da liberdade, na angústia “que nasce quando, ao querer o espírito instituir a síntese, a liberdade mergulha o olhar no abismo das suas possibilidades e se agarra à finitude para não cair” (KIERKEGAARD, 1979a: 93).
Nessa síntese da angústia que ocorre nas possibilidades da finitude, Kierkegaard critica o sistema hegeliano por não reconhecer que o pensamento puro, livre do ato existencial, sem compreender o paradoxo da vida não passa de uma quimera; e nesse caso a lógica de Hegel não passa de objeções, não contribui em nada com o essencial do existir real.
Como fará o homem para superar o desespero de si é o grande questionamento desse filósofo dinamarquês, pois se é verdade que o conhecimento absoluto resulta em algum benefício existencial, até o momento não temos provas reais de que alguém tenha se curado dessa doença mortal. O que Soren questiona não é o fato de se fazer no interior do pensamento puras objeções, especulações objetivas, mas sim o fato de suprimir a realidade por meio do pensamento abstrato, por conseguinte, “todo pensamento lógico limita-se à linguagem da abstração e é sub specie aeterni. Pensar logicamente a existência significa fazer abstração da dificuldade que há em pensar o eterno no devir, a que se está obrigado, pois aquele que pensa está ao mesmo tempo no devir” (REICHMANN, 1971: 226).
Acrescenta Kierkegaard que a filosofia de Hegel não leva ninguém ao conhecimento existencial de si mesmo, uma vez que esse é causa para outros conhecimentos, portanto, “o grande erro de Hegel é que o autor alemão se esquece, ao escrever, de que é uma pessoa real e age como se não tivesse existência... abrindo mão de sua real condição de pessoa existente” (PAULA, 2009: 29).
Mediante essa crítica ao sistema hegeliano, o “sistema kierkegaardiano” ou o “corpus kierkegaardiano” observará que o estético renuncia a si mesmo enquanto indivíduo para perder-se na idéia, “o estético espera que tudo venha de fora; seu relacionamento com o mundo é basicamente passivo, e sua satisfação fica sujeita, afinal, à condição cuja satisfação independe de sua vontade” (GARDINER, 2001: 53). Isso porque sua existência deixa de ser paradoxal, tende a tornar-se uma contradição em si mesma, retirando o fato de existir da realidade e transformando-o no cogito ergo sun. Ora, se o cogito é postulado sempre na esfera da idéia, sua busca pela categoria do reconhecimento torna-se infinita, o que lhe resta é apenas a opinião alheia que insiste em julgar seus atos como heróicos ou não. A estética fica assim apenas na aparência do ser, só reconhecendo seus atos; não leva em conta e não é do seu interesse o mero fato de existir, senão apenas os efeitos cômicos do indivíduo.
Para ir de encontro a essa perspectiva, esse autor, ao abordar o conceito de amor, enfatiza o seguinte:

"O desespero consiste em relacionar-se com algo de particular com infinita paixão; pois com paixão infinita só se pode, se não estiver desesperado, relacionar-se com o eterno. O amor imediato é assim desesperado, porém quando se torna feliz, como se costuma chamar , o fato de que ele está desesperado se oculta a ele, e quando ele se torna infeliz, torna-se manifesto que ele estava desesperado. Ao contrário, o amor que passou pela transformação da eternidade em se tornando dever, jamais pode desesperar, justamente porque ele não é desesperado" (KIERKEGAARD, 2005a: 58).

A falta do eterno no estágio estético torna ilusório o desespero, uma tentativa vã de eliminar essa doença mortal, e assim eterniza a angústia ocultamente. Sua manifestação é liberada apenas no puro pensamento absoluto, e com isso, o homem perde a possibilidade de unificar sua personalidade, permanecendo preso ao que lhe resta; à infelicidade e à dor de não ser reconhecido, e mesmo que seja reconhecido, esse fenômeno não passa de um imediatismo assombroso, fantasmagórico, isso porque, depois de alguns momentos, tudo será esquecido assim que surgir um novo herói trágico; tudo não passou de uma vã ilusão.
Esse pensador dinamarquês vê nesse estágio estético o desespero de não querer ser ele próprio e ao mesmo tempo de querer ser. O primeiro caso está ligado ao fato de não ter construído uma relação com o eterno, ao contrário, buscou na multidão o desejo de ser reconhecido por ela como algo infinito; pensou que era possível satisfazer-se nas coisas ordinárias, mas isso devido ao fato de poder transformá-las em extraordinárias, ou seja, criou uma estrutura imaginária totalmente fundamentada em conceitos idealistas; esqueceu-se de compreender a si mesmo enquanto individuo subjetivo; passando a objetivar-se nas opiniões postuladas pelo geral. Ambos os casos se resumem nas expressões quantitativa e qualitativa. Esta corresponde ao subjetivismo existencial, aquela ao acumulo de opiniões omitidas pela exterioridade da coisificação da realidade.
No desespero-estético lhe importa para sua breve alegria – que no fundo é uma melancolia assustadora – que o conceito lhe diga quem ele é, pois é este que deve tornar-lhe eterno, embora não passe de uma abstração da existência, e isso nada mais é do que negar a existência real, porque carece do eterno.
No segundo caso, o desespero-estético, ao querer ser ele próprio entra noutra problemática, tanto conceitual como existência-paradoxal. É nesse tanto como que está a expressão ou o terceiro elemento de uma trilogia, isto é, o inter-esse, pois o indivíduo fica jogado nesse espaço do tanto como, restando-lhe a escolha, a decisão; é preciso decidir. A partir do momento em que há a consciência da verdade, ou seja, da existência-paradoxal temos a tendência de conceituarmo-nos, dizer o que achamos de nós mesmo, e de ficarmos dependente de como nos conceituam, porque esse conceito deve ser efetuado no nada concreto; por isso entendemos a condição de ser paradoxal. Ao som da expressão: é preciso decidir, após a vivência do desespero-ético, Kierkegaard vê o ponto fundamental para o indivíduo tornar-se um cavaleiro da fé.
Ao som de “é preciso decidir”, o indivíduo deparar-se-á com inúmeras possibilidades de escolhas. Verá que o geral é uma aglomeração de indivíduos, onde não há rosto, mas apenas um volume, uma quantidade que afirma a objetividade e nega a subjetividade. Mas ao olhar para si mesmo enquanto indivíduo subjetivo, confrontar-se-á com o que lhe é mais estranho, sua própria subjetividade. Sua subjetividade lhe é estranha porque ele ainda não se reconhece e porque lhe foi negado pela filosofia moderna, existir antes de pensar. Essa filosofia, segundo Kierkegaard, erra ao dizer que o indivíduo deve tornar-se objetivo, que a ciência deve explicar objetivamente a verdade da existência-paradoxal. Em contra partida, o elogio kierkegaardiano dirige-se ao Cristianismo, o qual ensina que a paixão é subjetiva e que não existe objetivamente, isto é, que a fé deve tornar-se subjetiva. O homem deve buscar essa verdade subjetivamente; eis a tarefa mais elevada a todos os seres humanos. A fé é entendida como possibilidade onde fica o inter-esse para a suspensão do telos do desespero-estético.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Constituição do Homem Existencial


Como ponto de partida de nossa investigação, faz-se necessário uma abordagem sucinta da compreensão de homem e Deus na filosofia de Kierkegaard. Analisaremos primeiramente a concepção de homem em seus estágios estético, ético e religioso, sendo que esse último estágio será cogitado posteriormente no terceiro capítulo deste trabalho. Esse indivíduo é visto a partir de sua existência, dado no concreto da realidade vivida por ele. Uma concepção voltada para um ser que se confronta com os problemas mundanos que são também os seus problemas, pois esse se dá na possibilidade de suas escolhas. Na concepção kierkegaardiana, o homem é um sujeito singular, que se dá como existência, não como gênero humano, mas especialmente como homem subjetivo, que se subjetiva em sua realidade efetiva. Ele não é apenas consciência de consciência, mas um ser que se confronta consigo mesmo na medida em que vai tomando consciência do seu vir-a-ser. Não é apenas um ser racional, é, sobretudo, existencial.
Uma existência que acontece no dado real, pois o “interesse da existência é a realidade”. É nessa dialética paradoxal, nesse inter-esse que surge os estágios estético, ético e religioso do homem. Para esse dinamarquês, longe de crer no cogito ergo sun, a verdadeira subjetividade não está no fato de pensar, uma vez que agindo assim não passamos de conjecturas, presos no mundo das possibilidades, mas ao contrário, está no ato da subjetividade ética da existência que tem como pressuposto a possibilidade do alcance do estágio religioso, sobretudo, quando esse indivíduo se reconhecesse no desespero real de si mesmo.
Tal pensador ao abordar a existência humana no dado real está re-instituindo uma nova concepção de homem que encontra ecos na postulação cristã de homem.
"Em semelhante altura o Cristianismo colocou cada homem, absolutamente cada homem – pois para Cristo, tampouco como para a providência de Deus, não há nenhuma quantidade, nenhuma multidão, pois os inumeráveis estão para ele contados, são todos indivíduos; tão alto o Cristianismo colocou cada homem, para que ele não devesse prejudicar sua alma por se elevar nas diferenças da vida terrena ou por suspirar sob elas. Pois o Cristianismo não fez desaparecer as diferenças, tampouco como o próprio Cristo não quis e nem quis pedir a Deus para retirar os discípulos do mundo – o que dá no mesmo. Por isso, no Cristianismo, tampouco como no paganismo, jamais viveu um ser humano sem estar vestido ou revestido das diferenças da vida terrena, que pertencem a cada um especialmente pelo nascimento, pelo estado, pelas circunstâncias, pela cultura etc. – nenhum de nós é o homem puro. O Cristianismo é sério demais para fabular a respeito do homem puro, ele apenas quer tornar os homens puros" (KIERKEGAARD, 2005a: 91).

Biografia Existencial de Kierkegaard


Este trabalho tem por finalidade fazer uma explanação breve de alguns pontos do pensamento dinamarquês, do filósofo Kierkegaard. Mas para entendermos melhor essa trajetória que este pensador percorreu, é conveniente que conheçamos um pouco a sua biografia, isto porque, a sua filosofia é necessariamente elaborada a partir da sua vivência real, pois ele buscou em si mesmo os elementos essenciais que o ajudassem na sua compreensão de si como homem singular. Ler as obras deste autor é adentrar em sua própria existência. Dentre muitos filósofos, Kierkegaard deve ser o único que realmente conciliou vida e obras. Seus livros são na verdade uma descrição do modo de vida que ele viveu. Seus pseudônimos são uma mostra visível dessa relação que há entre a sua existência e a sua escrita filosófica. Como também a sua relação com o seu pai e seu noivado com Regina marcam toda a sua produção intelectual.
Queremos iniciar este trabalho com um questionamento que nos veio ao longo dos estudos dos estágios existenciais e da biografia do autor dinamarquês. É sabido por todos os seus leitores que Kierkegaard compreendia sua vida pessoal profundamente marcada pelas escolhas que seu pai havia feito, principalmente, porque sua mãe – antes empregada da família – tornou-se a segunda esposa de Michael Pedersen Kierkegaard, após a morte de sua primeira mulher. Mediante esse episódio, a atmosfera de culpabilidade religiosa e a melancolia de seu pai, o filósofo vivia sob a consciência de culpa. Ao falar da morte paterna, ele a interpretou “como uma espécie de sacrifício feito em seu favor, de modo que fosse possível que eu me tornasse algo” (GARDINER, 2001: 14).
Partindo do ponto de vista desse dinamarquês nos propomos a fazer uma indagação relevante, considerando, sobretudo sua afirmação no Diário de 1844, de que “algum dia, não somente meus escritos, mas até a minha vida e todo o complicado segredo do seu mecanismo serão minuciosamente estudados”. Assim, a sua obra Temor e Tremor, discorrida no elogio sobre Abraão, não seria uma releitura de Johannes de Silentio sobre a vida do próprio Kierkegaard, tentando, de uma forma pseudonímica, explicar os vários estágios que esse filósofo viveu até sua auto-compreensão como homem subjetivo, ou até mesmo como indivíduo religioso? Fica aí o nosso questionamento levantado, e que alguém possa ter a paixão necessária para discorrer sobre o assunto, pois a nós nos basta até o momento dizer o que já foi escrito nas linhas anteriores desse trabalho.
Esse autor é considerado por alguns intérpretes como o grande precursor da filosofia existencialista. Essa corrente de pensamento emergiu no século XIX, especificamente nas décadas de 30 e 40. O presente filósofo nasceu em Copenhague, no dia 05 de maio de 1813. Sétimo e último filho de Michael Pedersen Kierkegaard e Anne Srensdatter Lund. Em 1823 nasce a sua futura noiva e amada, Regina Olsen, com a qual não contraiu matrimônio. Em outubro de 1830, Kierkegaard matricula-se na Universidade. Inscreve-se na guarda real, sétima companhia, onde é recusado por incapacidade física. A morte repentina do pai, em 1838, produziu em Kierkegaard um impacto emocional.
Em 1841, Soren devolve o anel de noivado a Regina. Em outubro do mesmo ano rompe definitivamente com sua noiva, viajando para Berlim. Esse rompimento se deu por ele achar impossível fazer uma mulher feliz, mas, mais do que isso, dá-se como decisão de uma conseqüência vocacional filosófica e religiosa. O seu noivado com Regina Olsen desempenhou um papel central no desenvolvimento de sua vida pessoal e/ou intelectual. No ano de 1843 tem conhecimento do noivado de Regina com Fritz Schlegel. Em 1845 Kierkegaard trava uma luta local com o jornal “O Corsário” que o humilha publicamente com publicações difamatórias, obrigando-o a utilizar alguns pseudônimos. Em 1855 morre Kierkegaard, um dos maiores pensadores da história da filosofia, seu sepultamento se dá no dia 18 de novembro. (Extraido do TCC apresentado a UNIFAI em DEZ-2009)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Objetivo do Blog

Nossa pesquisa encontra no pensamento kierkegaardiano uma nova concepção da noção da constituição do homem, mas isso, mediante a via dos três estágios existenciais: o estético, o ético e o religioso. No primeiro estágio, o indivíduo tem apenas a relação com as coisas sensíveis, isto é, vive uma pré-reflexão sobre o mundo. Ele está colado às coisas extraordinárias, e vive em função de tais ideias. Tal sujeito busca somente a satisfação de ser reconhecido pelo outro. É o típico herói trágico, o qual é considerado como um deus por ter cometido atos louváveis, superando os desafios e alcançando o mérito sobre os demais homens, e, por isso, deve ser admirado e exaltado. Essa esfera é superada quando o sujeito passa a ter que decidir, isto é, ele utiliza-se de sua capacidade de escolha como forma de construir uma nova existência alheia as opniões estéticas.
No segundo estágio, o homem é movido pela moralidade. Está sempre determinado pelas normas sociais. Portanto, suas atitudes devem corresponder sempre ás necessidades pré-estabelecidas pelas convenções pessoais e coletivas. Ele não tem o que escolher, apenas, deve obdecer às normas postuladas de antemão. É um estado onde o homem tem diante de si a obrigação de cumprir seu dever como cidadão. O indivíduo apenas reconhece esse dever, e que não pode agir contrário ao que já está determinado.
No estágio religioso, deparamo-nos com o cavaleiro da fé. Nessa esfera o indivíduo é colocado frente a si mesmo na sua interioridade, com o intuito de alcançar o estágio do herói da fé como última esfera da existência. Esse autor não está apenas formulando um sistema de filosofia, mas trazendo para a filosofia um homem paradoxal, cheio de contradições, indecifrável e enigmático.
Nessa nova visão sobre o que é o homem há uma tentativa de des-ocultar o existir humano. Já foram suspendidos, e não negados, os outros estágios. O homem age na consideração da fé. Kierkegaard apresenta a fé como um paradoxo, isso porque, ela é impossível de ser racionalizada, decifrada pela cognição, e, portanto, quem a adquiriu tende a agir nas contradições existenciais. Pois tal pensador compreende a existência como um nada a ser construído, ou seja, somos possibilidades a todo instante em que existimos. É por esse viés que ele compreende a fé no Paradoxo, isto é, em Deus. Para Kierkegaard, a fé é justamanete uma possibilidade, indeterminada e absurda pelo fato de estar a todo momento se tornando nela mesma uma realidade desprovida de segurança concreta, mas ela é algo a vir-a-ser. É no âmbito do cristianismo que ele encontra a melhor designação do que é a fé: uma mensagem existencial.
Vamos notar que essa esfera paradoxal se torna mais contraditória à medida que se insere no tempo a presença da eternidade, Deus. No conceito de Deus, apontado por este dinamarquês, encontraremos uma recusa ao idealismo alemão, pois esse pensamento de caráter idealista vinha propondo o Conhecimento Absoluto como o meio para superar toda a realidade, e desse modo, Deus é considerado como uma ideia abstrata, identificada como um conhecimento imanente ao pensamento e ao objeto. Ele é descaracterizado da compreensão de um Deus existencial, para se tornar um fenômeno histórico segundo o sistema teórico de Hegel.
Em KIerkegaard há uma tentatica de provar que a existência humana é angustiante, sendo a partir dela que surge a possibilidade de re-construir a vida, justamente porque, o existente é um ser formado por uma síntese de dois termos, onde ambos se contrapõem numa luta por sua vivência, causando o sofrimento que é entendido como desespero. Ele vai apresentar o homem como ser desesperado, enfermiudade que se dá pela possibilidade de escolha. Ao demonstrar as causas desse enfermidade, Soren, também, demonstra pela religiosidade, num salto qualitativo, a superação da doença mortal.
O homem, para Kierkegaard é concebido para além da racionalidade, é desvelado na sua existência - que é desesperada, pois aí ele se efetua, descobrindo-se como homem que naturalmente se reflete por seu sofrer. É nesse contexto de sofrer, ou seja, de se perceber, de se sentir como realidade finita que está a verdadeira filosofia, da qual não se deve duvidar, pelo contrário, deve-se compreendê-la, pois ela possibilita o sentido da vida. Trata-se de uma filosofia não dogmática, isto é, de uma realidade que deve ser vivida e superada no imediatismo do homem.
Afinal, a filosofia kierkegaardiana se propõe a analisar a realidade a partir das coisa concretas, deixando de lado toda uma tradição do pensamento fundamentado na racionalidade do sujeito. O que importa à existência não é a razão e suas compreensões metafísicas a cerca da realidade, mas a possibilidade de viver de cada sujeito singular. Pois a razão não dá conta de responder a todas as angústias do homem, mas ele só poderá ter maior clareza desses sofrimentos à medida que tomar consciência de si enquanto ser contraditório.
A pretensão deste trabalho é mostrar a tentativa kierkegaardiana de esboçar a existência humana na sua concretude. À medida que lemos esse dinamarquês nos percebemos dentro desse processo como participantes desse contexto real que o autor expõe. É uma filosofia nua, desprovida de uma metalinguítica. Mas é algo muito nosso, do nosso dia a dia, pelo fato de sermos homens reais, viventes de uma realidade problemática-existencial. Isso é Kierkegaard, solitário e em miúdos. (Texto Tirado do TCC entregue a UNIFAI em DEZ-2009)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Que é, então, a melancolia?


Que é, então, a melancolia? É a histeria do espírito. Na vida humana chega um momento em que a imediação, por assim dizer, madurou e na qual o espírito exige uma forma superior em que quer apoderar-se de si mesmo como espírito. O homem, enquanto espírito imediato, é função de toda a vida terrestre e o espírito, concentrando-se, por assim dizer, sobre si mesmo, quer sair de toda esta dispersão e transfigurar-se em si mesmo. A personalidade quer tomar consciência de si mesma em sua validez eterna. Se isto não suceder, o movimento permanece contido e, se a personalidade é reprimida, então surge a melancolia. Muito se pode fazer para mergulhá-la no esquecimento... Mas a melancolia permanece. Na melancolia, existe algo de inexplicável. Quem tem sofrimentos e preocupações conhece a sua causa. Quando se pergunta a um melancólico qual a razão de sua melancolia, o que o oprime, responderá que não sabe, que não pode explicá-lo. Nisso consiste o infinito da melancolia. A resposta é inteiramente exata, pois, desde o momento em que se a conhece, a melancolia deixa de existir, enquanto que o sofrimento do aflito não cessa pelo fato de conhecer a causa da aflição. (Kierkegaard)

domingo, 21 de junho de 2009

Conceito de Angústia

A angústia que é a contradição do homem, a qual surge quando ato e pensamento se diferenciam, momento em que o sujeito passa de uma esfera da realidade a outra. Quando o desespero humano desperta voluptuosamente melancólico e o indivíduo se vê entre o infinito e o finito “e agente precisa, realmente, estar acostumado a deixar-se edificar com o consolo que há no nada.” Como havíamos esclarecido, o homem que vive o desespero-estético só vê possibilidades, as quais são identificadas como substâncias do futuro. Já o que é movido pela esfera do desespero-ético enxerga tarefas, de onde conclui que são esses seus objetivos e seu fim último. O estético não possui uma segurança como é no caso do ético em relação à concreção de suas tarefas. Quem está imerso no estético põe sua espera no exterior de si, tornando-se um des-esperar, não tendo um lugar-no-mundo. Mas o que sucede de fato é o seguinte; esse esteta, um cômico por natureza, espera tudo do mundo exterior, que o geral lhe dê o necessário para camuflar sua angústia, mas buscar algo me si mesmo, não, isso ele não ousa fazer. O tempo não lhe permite e a coragem também não; para esse indivíduo “ser o não ser” é a grande chave de leitura para compreendê-lo. (Kierkegaard)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O Desespero Humano


Frente ao desespero, o eu que é eterno, procura a todo instante a morte de si-próprio, ou seja, busca-se nessa realidade uma eliminação do corpo enquanto finitude do ser, como se com a morte do corpo o eu conseguisse a superação dessa enfermidade, porém, é inadmissível tal conclusão, porque ele se desprendeu da realidade finita e cai na infinitude do ser, tendo como conseqüência o eterno desespero, noutra perspectiva, deseja-se a morte de sua própria existência, o homem quer esconder sua condição de ser delimitado pelo tempo, quer esconder que seu fim é determinado por sua condição de possibilidade, por suas escolhas, e por mais que ele fuja terá a morte como fim, mas é preciso uma postura frente à realidade, não fugir dela, pois se fugimos vivemos a morte em seus instantes reais, antecipamos o seu tempo. Nesse contexto, Abraão não se propõe a tal atitude, pois para ele não há essa necessidade de fuga, enfrenta sua condição do homem, mantém sua relação consigo mesmo e com o Absoluto, ultrapassando o geral e se sacrificando por ele, mas não de forma inconsciente, ao contrário, assumindo essa possibilidade do possível. (Eu)

O Sacrifício de Abraão


"O dever absoluto pode então levar à realização do que a moral proibiria, mas de forma alguma pode incitar o cavaleiro da fé a deixar de amar. É o que mostra Abraão. No momento em que quer sacrificar Isaac, a moral diz que ele o odeia. Mas se assim é realmente, pode estar seguro de que Deus lhe não pede esse sacrifício; com efeito, Caim e Abraão não são idênticos. Este deve amar o filho com toda a sua alma; quando Deus lho pede, deve amá-lo se possível, ainda mais e é então somente que pode sacrificá-lo; porque este amor que dedica a Isaac é o que, pela sua posição paradoxal ao amor que tem por Deus, faz do seu ato um sacrifício. Mas a tribulação e a angústia do paradoxo fazem que Abraão não possa ser compreendido, de nenhuma forma, pelos homens. É somente no instante em que o seu ato está em contradição absoluta com o seu sentimento, que ele sacrifica Isaac. No entanto, é pela realidade de seu ato que pertence ao geral e, neste domínio, é e continua a ser um assassino". (Kierkegaard - Temor e Tremor)

domingo, 31 de maio de 2009

Obras do Amor

"A emoção não é propriedade tua, mas sim do outro, e sua expressão lhe cabe por direito, e te tornas consciente de que pertences a essa pessoa..." (Kierkegaard)

"O poeta não pode compreendê-lo, isto é, o indivíduo que é poeta pode decerto compreendê-lo, mas não o pode compreender na medida em que ele é poeta, dado que “o poeta” não pode compreender: pois o poeta pode compreender todas as coisa – em enigmas, e maravilhosamente explicar todas as coisa – em enigmas, mas ele não pode compreender-se a si mesmo, ou compreender que ele mesmo é um enigma..." (Kierkegaard)

Nessas duas citações, tiradas do livro Obras do Amor, o dinamarquês reafirma a incapidade do estágio estético do homem de se tornar um cavaleiro da fé, pois esse permanece na tentativa de ser reconhecido pelo geral como o grande homem, o qual vive em função do mero ato heróico, preso aos ditames dos seres sociais que o cercam o que só o reconhecem a medida que escolhe sempre um ato estético.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A vocação do Apóstolo


Um Homem pode ter atingido há muito a sua maioridade, ou até a idade madura, quando recebe a sua vocação de apóstolo. E esta vocação não faz dele um cérebro de elite, ele não contém um grau superior de imaginação, de perspicácia etc., de modo nenhum; permanece o que é; mas, pelo fato-paradoxo, é enviado por Deus para uma missão determinada (Kierkegaard).

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sören Kierkegaad

" Se um dançarino dessa saltos muito altos, poderíamos admirá-lo. Mas se ele tentasse dar a impressão de poder voar, o riso seria seu merecido castigo, mesmo se ele fosse capaz, na verdade, de saltar mais alto que qualquer outro dançarino. Saltos são atos de seres essencialmente terrestres, que respeitam a força gravitacional da Terra, pois que o salto é algo momentâneo. Mas o vôo nos faz lembrar os seres emancipados das condições telúricas, um privilégio reservado para as criaturas aladas ... "


Sören Kierkegaard.