terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Constituição do Homem Existencial


Como ponto de partida de nossa investigação, faz-se necessário uma abordagem sucinta da compreensão de homem e Deus na filosofia de Kierkegaard. Analisaremos primeiramente a concepção de homem em seus estágios estético, ético e religioso, sendo que esse último estágio será cogitado posteriormente no terceiro capítulo deste trabalho. Esse indivíduo é visto a partir de sua existência, dado no concreto da realidade vivida por ele. Uma concepção voltada para um ser que se confronta com os problemas mundanos que são também os seus problemas, pois esse se dá na possibilidade de suas escolhas. Na concepção kierkegaardiana, o homem é um sujeito singular, que se dá como existência, não como gênero humano, mas especialmente como homem subjetivo, que se subjetiva em sua realidade efetiva. Ele não é apenas consciência de consciência, mas um ser que se confronta consigo mesmo na medida em que vai tomando consciência do seu vir-a-ser. Não é apenas um ser racional, é, sobretudo, existencial.
Uma existência que acontece no dado real, pois o “interesse da existência é a realidade”. É nessa dialética paradoxal, nesse inter-esse que surge os estágios estético, ético e religioso do homem. Para esse dinamarquês, longe de crer no cogito ergo sun, a verdadeira subjetividade não está no fato de pensar, uma vez que agindo assim não passamos de conjecturas, presos no mundo das possibilidades, mas ao contrário, está no ato da subjetividade ética da existência que tem como pressuposto a possibilidade do alcance do estágio religioso, sobretudo, quando esse indivíduo se reconhecesse no desespero real de si mesmo.
Tal pensador ao abordar a existência humana no dado real está re-instituindo uma nova concepção de homem que encontra ecos na postulação cristã de homem.
"Em semelhante altura o Cristianismo colocou cada homem, absolutamente cada homem – pois para Cristo, tampouco como para a providência de Deus, não há nenhuma quantidade, nenhuma multidão, pois os inumeráveis estão para ele contados, são todos indivíduos; tão alto o Cristianismo colocou cada homem, para que ele não devesse prejudicar sua alma por se elevar nas diferenças da vida terrena ou por suspirar sob elas. Pois o Cristianismo não fez desaparecer as diferenças, tampouco como o próprio Cristo não quis e nem quis pedir a Deus para retirar os discípulos do mundo – o que dá no mesmo. Por isso, no Cristianismo, tampouco como no paganismo, jamais viveu um ser humano sem estar vestido ou revestido das diferenças da vida terrena, que pertencem a cada um especialmente pelo nascimento, pelo estado, pelas circunstâncias, pela cultura etc. – nenhum de nós é o homem puro. O Cristianismo é sério demais para fabular a respeito do homem puro, ele apenas quer tornar os homens puros" (KIERKEGAARD, 2005a: 91).

Percebemos as relações que existem entre o autor e o conceito cristão de homem, pois para o cristianismo, segundo Soren, cada homem é visto de forma singular, dentro de suas características que lhe são intrínsecas. Essa compreensão do conceito existência-paradoxal do homem desperta nesse filósofo uma busca relevante do que significa assumir-se como subjetividade, principalmente no contexto em que se encontrava. “O ambiente intelectual e religioso dinamarquês de Kierkegaard é bastante influenciado pelo debate entre hegelianos e anti-hegelianos” (PAULA, 2009: 112).
Mediante essas influências do idealismo absoluto e da obrigatoriedade de ser cristão por pertencer a uma nação ou dado histórico, Kierkegaard observa que “há, no entanto, uma coisa que é admitida: o cristianismo como dado. Admite-se que somos todos cristãos. Ai, ai, ai, a especulação é muito gentil (...). Não diz a geografia que a religião cristã luterana é a religião da Dinamarca?” (REICHMANN, 1971: 214), e Soren postula o conceito do eu na seguinte expressão: “O homem é uma síntese de infinito e de finito, de temporal e de eterno, de liberdade e de necessidade, é, em suma, uma síntese. Uma síntese é a relação de dois termos” (KIERKEGAARD, 1989: 12).
Kierkegaard concebe o homem a partir de uma relação dialética entre a infinitude e a finitude , entre o atemporal e o temporal, onde ambos constituem o eu. Esse eu é o homem em sua interioridade que é espírito; essa interioridade representa o voltar-se sobre si mesmo. É o momento em que o homem toma consciência de sua existência. Esse mesmo indivíduo é apresentado pelo autor em três estágios, o estético que diz respeito à relação do homem com o imediatismo, com o ser bem visto pelas outras pessoas sem se comprometer consigo mesmo. O ético se refere ao que a moralidade proíbe através das normas práticas de um povo, por fim, esse sujeito chega ao estágio religioso, onde nos relacionamos diretamente com o Absoluto. Nesse estágio não agimos pelo estético e nem pelo ético, mas por uma paixão subjetiva que move o homem à edificação do seu eu.
Ao apontar os estágios na vida Kierkegaard compreende que “todas as concepções da existência se classificam segundo graus de interiorização do indivíduo, porque se a vida é uma caminhada, ascensão rumo a si mesmo, isto exige etapas” (FARAGO, 2006: 120). De modo especial, neste capítulo, faremos acordos acerca dos estágios estético e ético, ficando o religioso para outro momento, embora essas três noções designem etapas existenciais escolhidas pelo homem, e não apenas idéias objetivas. Essas esferas representam “um tipo de aliança do temporal e do eterno na existência” (FARAGO, 2006: 120). Esses acordos são as exposições levantadas pelo filósofo e o nosso entendimento sobre o assunto.

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