Se é ridículo beijar uma mulher feia,
também é ridículo dar um beijo a uma beleza. A presunção de que amando de uma
certa maneira se tem o direito de rir do vizinho que tem outra maneira de amar,
não vale mais do que a arrogância de certo meio social. Tal soberba não põe
ninguém ao abrigo do cômico universal, porque todos os homens se encontram na
impossibilidade de explicar a praxe a que se submetem, a qual pretende ter um
alcance universal, pretende significar que os amantes querem pertencer um ao
outro por toda a eternidade, e, o que mais divertido é, pretende também
convencê-los de que hão de cumprir fielmente o juramento.
Que um homem rico, muito bem sentado na
sua poltrona, acene com a cabeça, ou volte a cara para a direita e para a
esquerda, ou bata fortemente com um pé no chão, e que, uma vez perguntado pela
razão de tais atos, me responda: «não sei; apeteceu-me de repente; foi um
movimento involuntário», compreendo isso muito bem. Mas se ele me respondesse o
que costumam responder os amantes, quando lhes pedem que expliquem os seus
gestos e as suas atitudes, se me dissesse que em tais atos consistia a sua
maior felicidade, como é que eu poderia impedir-me de ver o ridículo de tal
explicação - tal como o exemplo que há pouco dei; se bem que diferente, é certo
-, enquanto tal homem não se resolvesse a pôr termo à minha hilaridade,
confessando que esses gestos não tinham significação alguma. Num repente, com
efeito, a contradição, que é a base do cômico desaparece; porque não há nada
ridículo em que uma coisa destituída de sentido seja reconhecida como tal, mas
é grotesco atribuir-lhe um alcance universal. Em relação ao involuntário, a
contradição reaparece: não é possível admitir o involuntário num ente racional
e livre.
Soren Kierkegaard, in "O
Banquete" (Discurso do Mancebo, sem experiência no amor)
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